Domingo (5) foi uma noite histórica. Mesmo quem não é fã de rap precisa reconhecer que os nomes que passaram pelo Palco Mestre Galvão, do “Campão Cultural – I Festival de Arte, Diversidade e Cultura” são da maior importância para a música brasileira. Kamau, Slim Rimografia, Cris SNJ e Dexter são artistas de peso, referências nacionais para quem acompanha a cultura de rua e todos se apresentaram na noite de encerramento do festival, que encheu de cultura e arte Campo Grande e os distritos de Anhanduí e Rochedinho pelas últimas duas semanas.
Antes do sol se pôr, no calor da tarde campo-grandense, o DJ Magão mandou um set que levantou o astral e abriu caminho para o grande acontecimento que se anunciava. O público começou a chegar à Esplanada Ferroviária e, timidamente, começou a dançar aos sons escolhidos pelo DJ, que representou a cena de Campo Grande. Magão é um dos integrantes iniciais – e se mantém até hoje – no grupo de rap Falange da Rima, um dos mais antigos em atividade na Capital.
Magão passou a bola para o trio S.K.I.T., formado pelo DJ Gio Marx e os rappers paulistanos Kamau e Slim Rimografia. “Esse projeto surgiu durante a pandemia. Como todo mundo estava morando no mesmo apê em São Paulo, começamos a reunir as ideias e, quando vimos, o projeto estava pronto”, explica o DJ. Mandando clássicos da discografia de cada um dos rappers, a apresentação fez com que o público deixasse a timidez de lado e cantasse junto as mais conhecidas. Gio Marx ressalta que essa foi a primeira apresentação do grupo. “Estreamos o projeto em Campo Grande, incrível, né?”.
Kamau, que iniciou a carreira em 1997, apontou que o show foi importante para cada um dos músicos que subiram ao palco por motivos diferentes. “Gio Marx estreou em um palco principal, Slim nunca esteve em Campo Grande e eu estou retornando à cidade depois de cinco anos”, aponta. Sobre dividir o palco com nomes como Dexter e Cris SNJ, Kamau lembra que ele é da mesma geração dos músicos. “Para mim, essa noite é um grande encontro de família”, reforça.
Negona no palco
Cris SNJ subiu ao palco acompanhada da backing vocal Mina Rá e da DJ Bia Sankofa para mandar clássicos do rap em uma apresentação cheia de força, carisma e empoderamento feminino. “Esse corpo é resistência, ele não aparece na TV. Quer dizer, hoje até a gente vê pretos e pretas, mas ainda é pouco, muito pouco”, argumentou a cantora em determinado momento da apresentação. Cris iniciou a carreira há mais de 20 anos, como voz feminina do grupo SNJ, um dos grandes nomes do hip hop brasileiro.
Ela lançou o disco “Evoluindo através dos tempos” em 2017, trabalho solo no qual aborda a luta cotidiana e temas como empoderamento, auto estima, machismo, entre outros. “Minha mensagem é para as mulheres, aquelas que não se encaixam nos padrões, que não nasceram em berço de ouro. Eu canto com elas”, afirma a rapper. No show, esse posicionamento ficou bem claro. Do palco apenas com presenças femininas às letras e aos recados mandados.
Cris segurou o show do começo ao fim, entreteve a plateia em meio a problemas com o show e recebeu as convidadas Karol Kolombiana e Dory de Oliveira. “Cês são louco, que festa mil grau. Orgulho de estar numa noite só de minas”, apontou Karol, que trouxe um pouco da cultura chicana e do gangsta rap para o palco com a canção “Auto Sabotagem”. No final, todas cantaram juntas. Referências negras, de Zezé Mota a Angela Davis, foram evocadas para dar o tom no espetáculo.
Um rei no palco
Fechando a noite de domingo, Dexter mandou o show da maneira como um festival como o Campão Cultural merece. O rapper já entrou no palco mandando a clássica “Voz Ativa”, em versão gravada em parceria com Djonga e Koruja1. A canção do Racionais MC’s deu o tom da apresentação que deu espaço de destaque à cultura preta. Novamente, referências como Angela Davis apareceram no telão de fundo e mostraram que o rap feito por Dexter não é apenas para ser cantado, mas vivido.
Em cerca de uma hora e meia de show, Dexter cantou clássicos do grupo 509E, que formou junto com Afro X ainda no Carandiru, e também canções de seus discos solos, parcerias e versões. Para o DJ Augusto Chico, um fã inveterado do estilo, foi uma noite incrível. “Dexter tá ai, há vários anos na correria e numa noite como essa você descobre que ele é um cara bondoso, gentil, que mostrou todo esse carinho pelos fãs. Achei sensacional”, aponta.
O show mostrou como Dexter é mais do que um gigante do rap, ele é um rei. Ao final, cantando “Saudades Mil”, um clássico do primeiro álbum do 509E, “Provérbios 13”, ele convidou todos que participaram da noite para uma grande comemoração. Todos os rappers e DJs voltaram ao palco e cantaram junto as rimas que tratam do duro cotidiano das comunidades brasileiras, mas sem abandonar a esperança.
Quem achava que não haveria mais surpresas se surpreendeu a hora que o rapper pediu que o público abrisse um corredor e se jogou no meio das milhares de pessoas que estavam no gramado da Esplanada. De lá, ele mandou “Vida Loka (Parte 2)”, do Racionais. Quem viu, não esquecerá.
Texto: Thiago Andrade
Fotos: André Patroni