“O equilíbrio da mãe terra existe por causa da espiritualidade do índio. Quando os ianomâmis cantam, quando os terenas e os xavantes estão tocando seus chocalhos ou dançando com sua borduna, é porque nós estamos conversando com o grande espírito para cuidar da mãe terra, para cuidar dos rios, para cuidar da natureza, dos passarinhos. O futuro da modernidade, o futuro do computador, do celular, da tecnologia não será feliz se não ouvir a nossa voz”.
A advertência feita em pronunciamento de Marcos Terena, professor da Cátedra Indígena Internacional, no Senado Federal, hoje também está sendo discutida dentro da própria comunidade terena, que representa uma das maiores populações indígenas de Mato Grosso do Sul, com mais de 26 mil pessoas. O Festival Campão Cultural, realizado em Campo Grande, de 8 a 15 de outubro, foi um grande foro de debates pelas lideranças da etnia.
Como parte da programação do festival, roda de conversa realizada no Memorial da Cultura Indígena, situado na primeira Aldeia Indígena Urbana Marçal de Souza, trouxe à tona questões relacionadas ao que as lideranças chamam de “esquecimento”: as novas gerações dos 12 núcleos da Capital estão se distanciando da espiritualidade que sustenta a cultura, as tradições e as crenças do povo terena, primordial também para a troca de saberes e resistência.
Reconexão à ancestralidade
“A temática elaborada durante o Campão Cultural foi um primeiro passo para trazer o interesse dos nossos jovens urbanos pela espiritualidade, para que possamos manter nossa cultura, nossas raízes, os nossos rituais, os pajés, as águas, florestas, o meio ambiente. Tudo tem um significado para nós, tudo tem uma mãe, e essa geração desconhece, está deixando de seguir os nossos ancestrais”, aponta Josias Jordão Ramires, cacique urbano dos terena.
A roda de conversa realizada no sábado (14) reuniu as lideranças da comunidade de Campo Grande – são mais de 15 mil indígenas -, dentro as quais João Leôncio e Alípio Vieira, e também o representante da aldeia Cachoeirinha de Miranda, Leosmar Antônio, biólogo. Ele conduziu o bate-papo, transmitiu as experiências de sua aldeia, onde foi construída uma casa de reza e se desenvolve um trabalho de espiritualidade com as crianças e os jovens.
“Não é uma pauta muito bom, sobretudo no contexto urbano, mas ela é estratégica poque os desafios dos terena são redobrados na área urbana, onde as influências externas são maiores e temos que ter instrumentos para nos fortalecermos”, observa Leosmar. Na sua fala, ele citou o conjunto de crises que se instalou de forma sistêmica na tribo – “inclusive de valores” -, dizendo que os jovens hoje tem avesso à roça, e defendeu a reconexão à ancestralidade.
Texto: Sílvio de Andrade
Fotos: Marithê do Céu