O designer Sérgio Matos (MT) é um dos nomes mais importantes do designer brasileiro da atualidade e esteve durante dois dias no Campão Cultural – I Festival de Arte, Diversidade e Cidadania. Na ocasião, o profissional participou de duas rodas de bate papo com outros profissionais da área, a fim de trocar experiências e somar junto aos demais designers presentes durante a Feira dos Saberes, na Esplanada Ferroviária. Em conversa exclusiva com a equipe de comunicação do Festival, Sérgio destacou os desafios em empreender no ramo, além da importância e reconhecimento do artesanato regional ser o ponto de partida no design de mobiliário, por exemplo.
Dentre os desafios, qual aquele como artista/arquiteto/coautor é o maior?
O maior desafio, disso tudo, eu acho que é conseguir convencer as pessoas do potencial que elas têm, o artista, o artesão. Às vezes, é aquela questão da auto estima né, quando você trata, trabalha com a autoestima. E as pessoas que vêm de fora costumam ver aquilo, primeiro que eles, do potencial que eles têm, a cultura, o artesanato que eles fazem. Comigo aconteceu o mesmo, precisou vir alguém vir de fora para tocar, reconhecer e me apontar a riqueza que é encontrar o meu entorno o que eu realmente precisava.
Quais já foram ultrapassados/quebrados?
Então, na época que eu comecei o artesanato era uma coisa bem desvalorizada, as pessoas não costumavam colocar na decoração, e esse também foi um dos grandes desafios que foram modificando com o tempo. Até 2010, mais ou menos, não existia loja em São Paulo de design brasileiro, de artesanato brasileiro, nada disso, e hoje virou uma tendência. Todas as grandes fábricas hoje em dia, no Brasil, usam design brasileiro, a questão da cópia ainda existe, mas as empresas sérias voltaram a produzir com design regional. Então, você anda na rua, em São Paulo, por exemplo, que é a principal rua do design, as lojas todas vendem design brasileiro, coisa que 10, 15 anos atrás era muito difícil. Eu acho que esse foi um grande desafio, superado em partes. Com o reconhecimento de grandes arquitetos começarem a colocar design brasileiro dentro das casas e mostrar que isso é bonito, acho que fez toda a diferença. Teve também um trabalho da imprensa nisso tudo, que é importantíssimo, as revistas começaram a publicar e a colocar e defender isso como bandeira. CASACOR, por exemplo, um evento importante do cenário da arquitetura, já coloca isso como critério. Quando ela vem pro estado, ela exige que o arquiteto coloque na decoração, artistas regionais, e isso faz a diferença. Quando alguém que não acredita nesse novo artesanato, quando vê o artesanato colocado de forma bonita, numa casa, numa decoração, muda a percepção das pessoas.
Como desconstruir o prisma do consumidor, aquele que ainda desconhece e/ou não valoriza a cultura arraigada impressa do design de mobiliário?
Eu acho que precisa sim, existir essa desconstrução de que tem menos valor, o próprio artesão não acredita nesse valor, então como fazer o cliente acreditar nisso? Só que essa percepção e reflexão começa lá de cima, do arquiteto que colocou o artesanato no projeto de uma supercasa, e isso vai virando notícia até chegar no artesão e ele se convencer de que o trabalho dele está no topo, com aquele arquiteto, naquela casa. Assim, as pessoas vão consumindo de outras camadas sociais, e outras classes vão adquirindo. E o mais importante, vão sentindo orgulho disso. Eu vejo o artesanato do Amazonas como um bom exemplo, era difícil a gente chegar numa casa desses grandes arquitetos e ter artesanato local. Hoje eles colocam nas casas e têm orgulho de falar de onde veio aquele artesanato, em qual comunidade foi feito, de que maneira ele encontrou, e que é da região dele. E se a gente for falar de identidade brasileira verdadeira, está com esses povos.
Até quando a sustentabilidade será mecanismo de valorização entre a produção para, de fato, ser valorizada de pronto imediato?
E até quando a gente precisa usar isso como obrigação, porque às vezes precisa estar na lei essa inclusão, para ela valer. A gente vê as grandes empresas modificando essa ideia, então elas precisam quebrar essas barreiras. O ideal era que não precisasse de leis para isso, por exemplo, para exportar, o cara precisa ter o certificado de sustentabilidade e obriga ele a se fazer sustentável pela lei, quando deveria ser óbvio. Ainda assim, fico muito esperançoso pelas empresas que têm a iniciativa de fazer esse trabalho sustentável e de agregar minorias, não por questão de marketing, mas sim porque o espírito da empresa mudou.
Âmbito responsabilidade social colocada aos municípios, governos e País em garantirem incentivo para os pequenos que tecem, tramam, criam e desenvolvem o que, inclusive, é o ponto de partida do seu projeto. O que, de fato, precisa e tem que ser feito? Quantos outros Sergios, Lucianas terão que desbravar/valorizar um mercado cultural?
Acho que não é questão de desbravar sozinho, pois existem muitas instituições envolvidas nesse trabalho, então esse desbravamento, uma só pessoa como eu, Luciana não vamos conseguir gerar tudo isso, não vamos conseguir dar conta de produzir para tantos artesãos que tem um trabalho riquíssimo, e conseguimos chegar por meio de instituições como SEBRAE, Unesco, alguns governos de estado e outros. Mas eu estipulei isso para meu trabalho, porque ele teria que ter esse viés do artesanal, da identidade, a Lu também está nesse caminho, eu vejo o trabalho da Lu crescendo cada vez mais, mas temos sempre que pensar o que estamos levando nisso tudo, porque trabalhamos com artesãos, com pessoas que produzem, então temos que ir todos juntos, não só nós. Lá no meu estúdio, por exemplo, às vezes as pessoas criticam os preços, eu não sou uma grande indústria, as pessoas precisam pagar um preço justo para o artesão, e o preço justo que pagamos para um artesão não é o mesmo que uma grande fábrica paga para seu funcionário. A gente não consegue ter um preço de uma fábrica, pois temos o artesão e outras pessoas envolvidas nisso e queremos eles conosco do início até o fim. Se ele se sentir desvalorizado ele vai sair, e eu vou perder um talento trabalhando comigo, por isso eu nunca decido o preço das peças que o artesão faz pra mim. Quem faz o preço do artesão é o próprio. Por isso imagino que tenha funcionado essa parceria que tenho com eles, que é diferente dos projetos que faço com as comunidades, que são totalmente voltados para a comunidade, não sou eu que comercializo. Muita gente confunde e fala “O Sérgio foi para o Amazonas fazer produto para ele desenvolver isso etc.”, não é, esses produtos não são pra mim, o que a gente faz é apresentar esses produtos para outros lojistas e passar o contato do artesão. Se um designer quer criar algo com o artesão, ele precisa fazer algo para o artesão, não só fazer uma poltrona e ir embora, e esse artesão vai viver de que? Se acabou o projeto. Faz um projeto para ele.
O Designer
Mais que função o Design tem o poder de abrigar história, memória e laços afetivos. É dessa percepção – forrada com a essência da brasilidade – que o designer mato-grossense Sérgio Matos se abastece e nutre o desenvolvimento de produtos de mobiliário e decoração. Tudo referendado no caldeirão cultural com tempero mestiço. A base sólida da criação finca os pés na regionalidade, na identidade que resiste ao tempo e preserva técnicas e saberes ancestrais. O feito à mão, com calor humano, estampa o selo da originalidade. A trajetória – desde a abertura do estúdio em 2010 – colhe prêmios nacionais e internacionais e colabora para fortalecer a imagem do design brasileiro. Abre rotas para a difusão do conhecimento, onde a junção do design com o artesanato resulta em consultorias dirigidas às comunidades artesãs.
INFORMAÇÕES
@FESTIVALCAMPAOCULTURAL
Texto: Clarissa de Faria
Fotos: Eduardo Medeiros